O filósofo francês André Bazin escreveu em 1967 que a tela é capaz de nos colocar “na presença do ator” de forma semelhante a um espelho, mas com um reflexo atrasado que retém a imagem. Os cineastas belgas Bruno Forzani e Hélène Cattet parecem ecoar essa ideia em seu novo filme, Reflection in a Dead Diamond, que explora o universo da franquia James Bond de maneira surrealista e experimental.
Através de John Diman, interpretado por Yannick Renier e Fabio Testi em diferentes fases da vida, o filme questiona a percepção da realidade, misturando o ator, o personagem que ele interpreta, os livros baseados em sua vida e a própria essência do que é real. A obra se apresenta como um caleidoscópio visualmente deslumbrante e confuso, onde os reflexos se multiplicam e se misturam.
O Vórtice de Memórias de John Diman
Reflection in a Dead Diamond é considerado o trabalho mais impactante de Forzani e Cattet. O filme é uma narrativa complexa, acessível e acadêmica ao mesmo tempo. A história começa com Diman (Testi) em um hotel na Côte d’Azur, desfrutando de luxos e observando mulheres na praia. Uma vizinha desaparece misteriosamente, e Diman é então lançado em um turbilhão de memórias de sua juventude como um agente secreto (Renier) em uma missão que remete à era de Roger Moore na franquia James Bond. O filme inverte a perspectiva tradicional, apresentando a vida de um espião através de memórias distorcidas, repletas de detalhes sórdidos e julgamentos morais.
A Missão Incompreensível e os Vilões Estilo Bond
A missão de Diman, assim como o enredo de Forzani e Cattet, é propositalmente incompreensível. A trama parece envolver a responsabilidade de Diman em proteger o magnata de diamantes Markus Strand (Koen de Bouw), um filantropo e capitalista inescrupuloso, em um estilo clássico de vilão de Bond. Sua antagonista é Serpentik (Thi-Mai Nguyen), uma artista marcial que muda de forma, sedutora e sedenta por sangue. A colega e amante de Diman, interpretada por Céline Camara, adiciona mais uma camada de intriga com sua lealdade questionável e um vestido de lantejoulas que pode se transformar em arma.
Como em 8 1/2 de Federico Fellini, torna-se cada vez mais difícil distinguir o que é o quê, e esse quebra-cabeça é infinitamente prazeroso quando se entende que nada realmente deve fazer sentido em um nível tradicional.
A dualidade do filme se intensifica em uma cena de tapete vermelho, onde memórias e a própria criação cinematográfica se colidem. Diman assiste a uma gravação que parece ser um relatório de missão. Assim como em Federico Fellini‘s 8 1/2, a linha entre realidade e ficção se torna tênue, criando um quebra-cabeça envolvente. A obra abraça a falta de lógica tradicional, pois, como nos filmes de James Bond, o público busca mais os cenários e os gadgets do que um enredo linear.
Influências e Estética Maximalista
Embora mais violento que os filmes de Bond, Reflection in a Dead Diamond dialoga com diversas outras referências. A estética do filme bebe de fontes como Danger: Diabolik de Mario Bava, pinturas barrocas de Caravaggio, o terror onírico Onibaba de Kaneto Shindo, a absurdez das máscaras de Mission: Impossible e a arte de Frank Miller. Forzani e Cattet estabelecem um diálogo com a pop art e o gênero Eurospy, explorando a violência estilizada do estado de vigilância.
Com sua estética maximalista, que inclui close-ups extremos de detalhes corporais e cenas de violência gráfica, o filme é uma extensão do giallo e fumetti neri italianos. O mundo apresentado é uma ilusão, um raio-X do cérebro em seu estado mais imaginativo, refletindo nossos próprios prazeres hedonistas.
Fonte: ScreenRant