O cineasta Lav Diaz, conhecido por seu estilo único, apresenta em Magellan uma perspectiva diferente sobre a figura histórica de Fernão de Magalhães (Gael García Bernal). Longe de uma celebração, o filme mergulha nas complexidades e nas sombras da exploração, especialmente sob a ótica das Filipinas e do Sul Global, onde o nome de Magalhães é associado às marcas sangrentas do colonialismo.


O Confronto com Lapulapu e a Desconstrução do Herói
Diaz contrapõe a narrativa ocidental de Magalhães como um “Grande Homem” com a lenda de Lapulapu, o chefe da ilha de Mactan que resistiu ao explorador português e suas forças espanholas. Embora a existência histórica de Lapulapu seja questionada pelo diretor, sua representação no filme serve como um artifício narrativo para desafiar as histórias de hegemonia ocidental, propondo em seu lugar relatos de resistência e coragem. A arrogância do conquistador colonial é apresentada como seu calcanhar de Aquiles.

Com 160 minutos de duração, Magellan é considerado um dos filmes mais curtos de Diaz. A cinematografia, filmada em um aspecto 4:3, confere à obra uma qualidade etérea, evocando tanto as origens do cinema quanto a arte visual. Cada quadro é meticulosamente composto, repleto de detalhes que remetem às pinturas de paisagem holandesas, proporcionando uma experiência contemplativa.
A imutabilidade da natureza se torna uma arma secundária na crítica anticolonialista de Diaz. Seus quadros fixos observam a criação, destruição e reconstrução de mundos. A narrativa, que abrange de 1511 a 1521, documenta o caminho implacável de Magalhães, marcado pela desconsideração das leis naturais e pela violência.
Apesar da atenção aos detalhes de época, como figurinos e cenários, Diaz se concentra mais no impacto duradouro da história na consciência coletiva do que nos fatos históricos precisos. A brutalidade e o rastro de destruição deixado por Magalhães são apresentados de forma crua.
Um Retrato Complexo do Anti-herói
Visualmente deslumbrante, Magellan utiliza a cinematografia para contar a história desse anti-herói não romântico. Magalhães é retratado como uma figura ambiciosa e petulante, cuja moralidade flexível é acentuada por sua fé cristã questionável. Uma cena particularmente impactante o mostra contemplando um castelo imponente, simbolizando seus desejos grandiosos em contraste com sua estatura humana.

Apesar da crítica às ações de Magalhães, Diaz também explora seu lado humano através do amor por Beatriz (Ângela Ramos), representada em sequências oníricas. Longe dela, Magalhães se vê atormentado por visões de seu relacionamento e das perdas que sofre.
O filme, embora mais acessível que outras obras de Diaz em termos de duração, mantém sua subversividade inerente. A escolha de um astro global e a estrutura de biopic disfarçam uma crítica contundente à vacuidade do legado colonial.
A figura de Enrique (Amado Arjay Babon), o escravo cebuano de Magalhães, cujo nome marca o início e o fim do filme, é crucial. Suas mãos ensanguentadas simbolizam a violência política como condição para a liberdade, um lembrete sombrio para os tempos atuais.
Magellan foi exibido no AFI Fest de 2025, reafirmando a visão singular de Lav Diaz sobre a história e seus personagens.
Fonte: ScreenRant