A adaptação de Guillermo del Toro para o clássico literário Frankenstein, de Mary Shelley, traz uma visão visualmente deslumbrante e reimagina elementos cruciais da narrativa para o público moderno. Embora fiel em muitos aspectos, o filme ousa em alterar momentos e relações de personagens, aprofundando temas centrais da obra original.



Victor Frankenstein: O Vilão de Sua Própria História
Em uma reviravolta significativa, a versão de Del Toro apresenta Victor Frankenstein (interpretado por Oscar Isaac) como um protagonista moralmente ambíguo, por vezes cruel e impulsivo. Sua arrogância impulsiona experimentos desesperados, distanciando-o de sua família e de sua noiva. O filme enfatiza a tendência de Victor de culpar os outros por seus erros, uma característica que se torna cada vez mais evidente à medida que a tragédia se desenrola.

É somente após a morte de seu irmão e as palavras finais deste, que o acusam de ser o verdadeiro monstro, que Victor começa a confrontar suas falhas. No entanto, sua reação inicial é de vingança, não de autorreflexão. Somente em seus últimos momentos Victor expressa remorso genuíno e busca o perdão de sua criação, um ato que sublinha a humanidade da criatura.
O Romance Trágico entre Elizabeth e a Criatura
Um dos elementos emocionais mais fortes da adaptação é o vínculo que se desenvolve entre Elizabeth (Mia Goth) e a criatura. Ao contrário da frieza de Victor, Elizabeth demonstra empatia, permitindo que a criatura manifeste sua humanidade pela primeira vez. Essa conexão é sutilmente apontada como o estopim para a raiva de Victor.

Essa dinâmica ecoa o histórico de Del Toro com romances complexos, como em A Forma da Água. O clímax dessa relação ocorre quando a criatura encontra Elizabeth na noite de seu casamento. Victor intervém e, em meio ao conflito, Elizabeth é fatalmente ferida. Sua morte solitária ao lado da criatura, confessando que não pertencia a este mundo, adiciona uma camada de tragédia, especialmente para a criatura, que tem a eternidade pela frente sem ela.
O Anjo da Morte em Frankenstein
Um motivo visual recorrente no filme é a aparição de um anjo em sonhos de Victor. Inicialmente um símbolo de esperança e guia, o anjo gradualmente revela uma face esquelética, transformando-se em um presságio de desgraça. Essa imagem reflete a descida de Victor da ambição ao arrependimento.

O anjo pode ser interpretado como o anjo da morte, lembrando Victor de sua mortalidade. Alternativamente, pode simbolizar a ambição interna de Victor, que se corrompe com suas ações. As visões do anjo se tornam mais frequentes com as mortes que cercam Victor, sugerindo que ele se tornou o anjo da morte para seus entes queridos.
Diferenças Cruciais no Final da Obra
A adaptação de Del Toro adota o dispositivo de moldura do livro, com Victor narrando sua história a um capitão no Ártico. No entanto, o final difere significativamente. Ao contrário do livro, onde Victor tenta fugir em busca de glória, na versão cinematográfica, ele humildemente pede perdão à criatura antes de morrer. O filme também incentiva a criatura a abraçar a vida, terminando com uma nota agridoce e esperançosa, divergindo do final mais sombrio do romance, onde a criatura contempla o suicídio.

A imortalidade da criatura, resultado dos experimentos de Victor, permite que o filme explore um futuro incerto para ele. Essa abordagem contrasta com o tom melancólico do livro, priorizando a evolução da criatura em vez de seu fim.
O Verdadeiro Significado de Frankenstein
Frankenstein, na visão de Del Toro, é uma exploração das qualidades monstruosas inerentes à humanidade, argumentando que os maiores fracassos humanos derivam de suas próprias escolhas. A ambição e o ego podem levar a grandes feitos, mas também podem corromper. Este tema é evidenciado nas trajetórias de outros personagens, como o pai de Victor, Leopold, e seu benfeitor, Henrich Harlander, ambos impulsionados por falhas que levam à sua ruína.

Em contrapartida, o filme destaca a importância da bondade e da empatia através do personagem do velho cego, que ensina a criatura a ser humano. As ações impetuosas e raivosas dos homens em Frankenstein levam à destruição, enquanto a gentileza e a compaixão oferecem um caminho para o crescimento emocional.
Fonte: ScreenRant