Crítica: Little Amélie é conto de amadurecimento que transcende tempo e espaço

Crítica de Little Amélie: um conto de amadurecimento animado que explora a perda, descoberta e solidariedade com um toque de realismo mágico.

Little Amélie subverte o mito da criação em um conto emocionante sobre a auto-realização de uma criança pequena. É uma história primorosamente animada, tecnicamente contada em flashback do ponto de vista de sua protagonista precoce (Loïse Charpentier). Embora seja renderizado digitalmente, cada quadro individual transborda da expressividade da série Nenúfares de Claude Monet, animada no estilo de Hayao Miyazaki. Através dessa paleta estética única, os diretores Maïlys Vallade e Liane-Cho Han criam uma parábola de amadurecimento que enquadra a vida adulta emergente através da dor da perda e, por extensão, da alegria da descoberta.

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Adaptado do romance autobiográfico de Amélie Nothomb, Little Amélie acompanha uma família belga vivendo no Japão pós-guerra, a partir de agosto de 1969. O pai de Amélie (Marc Arnaud), um diplomata, está estacionado lá há algum tempo, mas Amélie é a primeira dos três filhos a nascer ali. A vida deles é idílica, sem ser afetada pelas mudanças de um mundo socialmente progressista, com Vallade e Cho Han enquadrando tudo pelos olhos do bebê.

Com detalhes inventivos, o filme leva literalmente uma ideia do folclore japonês: que as crianças são deuses até os três anos de idade. É assim que Amélie se vê. Como contado por ela, a criação do universo aconteceu através de algo como um tubo que espremeu os blocos de construção do nosso mundo (o título francês é traduzido mais diretamente como “a metafísica dos tubos”). Embora Amélie possa falar, ela escolhe não fazê-lo (ou assim ela nos conta), e isso é bom para Marc e Daniele (Laëtitia Coryn), uma pianista, que já têm suas mãos cheias com seus dois primeiros filhos.

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Mas sua quietude faz com que o pediatra a pronuncie imediatamente como um “vegetal”, um prognóstico evidentemente bobo que os pais não levam a sério. Quando Amélie faz barulho, seus sons de bebê são sua frustração, pois ela é uma deusa presa no corpo de um bebê. Essa frustração faz de Amélie um “caminhão de demolição”, e a casa deles se transforma em uma verdadeira ruína. Tendo pena dos pais incapazes de se manterem à tona, sua vizinha, Kashima-San (Yumi Fujimori), envia Nishio-San (Victoria Grobois) para cuidar delas.

Como qualquer bom pedaço de realismo mágico, Little Amélie é repleto de momentos de maravilha celestial.

Mas é somente quando a avó de Amélie, Claude (Cathy Cerda), chega que as coisas começam a se estabilizar. Claude magicamente faz Amélie baixar a guarda com o simples gosto de chocolate branco belga. Logo depois, ao ver Nishio aspirando, Amélie fala sua primeira palavra: aspirateur, ou aspirador de pó. Eufóricos, os membros da família começam individualmente a fazê-la imitar seus nomes. Amélie reflete em narração que eles pareciam desesperados para que ela fizesse isso, “como se precisassem que eu dissesse seus nomes para saber que existiam”.

Quando Claude precisa retornar à Bélgica, a tristeza de Amélie se transforma em alegria sem limites com o advento de seu relacionamento com Nishio. Através de sua cuidadora japonesa, o campo de visão de Amélie se expande e seus poderes crescem. Como qualquer bom pedaço de realismo mágico, Little Amélie é repleto de momentos de maravilha celestial: quando ela prova o chocolate branco, ela levita em um brilho dourado; quando ela decide que já teve o suficiente do cinza invernal, Amélie simplesmente ativa a primavera passando as mãos pelos campos e comandando que os bulbos de flores se abram; quando sua avó parte, sua raiva causa um terremoto.

O filme de Vallade e Chan Ho realiza um feito raro através de seu ponto de vista firmemente colocado. Alguns desses momentos são facilmente explicáveis como vindos da imaginação de sua protagonista infantil, mas é precisamente isso que solidifica o entendimento inabalável de seus diretores sobre o poder da mente de uma criança. Quando você é jovem e desprovido de respostas científicas obsoletas para os modos do universo, o cérebro preenche as lacunas. Se você não consegue explicar como a primavera acontece naturalmente, é natural supor que você a fez acontecer por pura força de vontade. Tudo no filme é apresentado como uma extensão natural do desejo, confusão, alegria, tristeza e crescente compreensão do mundo ao seu redor por parte de Amélie.

A tradução para o inglês do subtítulo do filme é uma referência à forma como Amélie soa curiosamente perto da palavra japonesa para chuva, amé. A associação da garota com o padrão climático emana do que ela vê como um evento “requintado”. A chuva é perigosa, tempestuosa, invisível. Assim é Amélie, e assim é a animação que se move ao seu capricho. E o conhecimento do significado de seu nome em japonês a faz se ver definitivamente como japonesa.

A revelação fala do ethos multicultural geral dos cineastas. Sendo que o filme se passa na história japonesa da época, há uma advertência implícita contra o nacionalismo cego. A memória não tão distante dos danos causados ao Japão por forças ocidentais ameaça manchar o vínculo inegável entre Nishio e Amélie, que, embora deusa, não consegue entender a morte ou o conceito de racismo.

Para colocar de forma mais gentil, Little Amélie é um testemunho delicado do poder da solidariedade e da capacidade das crianças de curar feridas através do espaço e do tempo. Naquela que é talvez a cena mais comovente do filme, Amélie presenteia Nishio com um grande pote aparentemente vazio. Quando a tampa é levantada, um enxame luminoso de memórias se derrama – e com ele, um vislumbre da própria infância de Nishio. A cena sugere uma promessa poderosa, que a própria alegria de Amélie poderia preencher as lacunas de sua amiga. Desta forma, Little Amélie argumenta que nada é impermeável, nem mesmo as diferenças aparentes de duas gerações de duas culturas outrora em conflito.

Fonte: ScreenRant

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